Jejum Intermitente

2019-09-10T18:49:27-03:0030 de agosto de 2019|Benefícios da dieta|

Existe uma teoria publicada pelo pesquisador James Neel que explica o agravamento das doenças metabólicas nos dias atuais e que está embasada na seleção natural de genes do metabolismo de nutrientes e estoque de gordura.

Considerando que a nossa carga genética é a mesma desde cerca de 25.000 anos atrás, época em que a espécie humana caçava e passava dias sem comer até encontrar algum animal para se alimentar, é fácil de compreender o aumento dos índices de obesidade, diabetes e cardiopatias que presenciamos atualmente, onde a demanda por atividade física é praticamente nula dado os adventos da tecnologia e porque as pessoas não precisam mais caçar para se alimentar, já que podem pedir uma pizza pelo telefone e pagar com cartão sem sair de casa.

Jejum Intermitente na moda nas redes sociais

O termo “jejum intermitente” é considerado uma novidade para a população brasileira no geral, no entanto, cada vez mais pessoas têm se aventurado nesse tipo de dieta motivadas principalmente por propagandas divulgadas nas mídias sociais que não apresentam nenhum tipo de fiabilidade e que não trazem nenhuma informação sobre controle nutricional.

Para o nutricionista, jejum é um assunto que consta na grade curricular da faculdade, aparecendo em disciplinas mais ligadas aos hábitos alimentares populacionais de cunho religioso, que tradicionalmente costumam realizar essa prática.

Na literatura científica existem trabalhos demonstrando uma ligação positiva em ingerir quantidades menores de energia diária do que a habitualmente recomendada, com impacto positivo para a saúde e longevidade (CRUZEN et al., 2009; ANTON e LEEUWENBURGH, 2013).

Jejum como prática em tradições religiosas e espirituais

O jejum, ou a abstinência voluntária da ingestão de alimentos dentro de um período em específico, é uma prática bem conhecida em tradições religiosas e espirituais.

É citado no velho testamento, nos textos antigos do Alcorão e no Mahabharata, por exemplo. Tipicamente, o jejum é alcançado ingerindo-se pouca ou nenhuma bebida calórica por períodos que variam de 12 horas a 3 semanas.

Os muçulmanos esperam o pôr do sol durante o mês de Ramadan para começarem a se alimentar, podendo fazê-lo até o nascer do sol, quando começa o ciclo do jejum novamente.

Cristãos, judeus, budistas e hindus costumam fazem o jejum em dias ou períodos designados (TREPANOWSKI et al., 2010).

Jejum no tratamento da obesidade

Para o tratamento da obesidade, existe um estudo de caso clássico publicado no Postgraduate Medical Journalpor Stuart e Fleming na década de 70, no qual um indivíduo em ambiente hospitalar ficou em jejum controlado por 382 dias, começando o tratamento com 207kg e terminando com 81kg, ou seja, menos 126kg de perda no total, tendo uma média de 330g de peso perdido por dia. Ao final, os autores comentam que o jejum é uma estratégia que funciona no tratamento da obesidade.

Essa técnica está sendo cada vez mais estudada em artigos científicos, tanto com animais quanto com humanos com vistas a diferentes objetivos, entre eles, o tratamento da obesidade, a melhora na sensibilidade à insulina, o controle do diabetes e da dislipidemia, bem como a mudança na composição corporal em atletas e pessoas fisicamente ativas. Em artigo publicado em 2015, a Academia de Nutrição e Dietética (ADA) faz uma revisão da literatura acerca dos efeitos do jejum intermitente em seres humanos e seus diferentes protocolos. A tabela abaixo faz um comparativo dos tipos diferentes existentes.

Tipos de protocolos do jejum intermitente

Tipos de protocolos Descrição
Dia sim, dia não em jejum completo Esses regimes envolvem dias de jejum alternados (sem alimentos ou bebidas que contenham calorias) com dias de consumo (alimentos e bebidas consumidos ad libitum)
Protocolos modificados de jejum Os regimes modificados permitem o consumo de 20% a 25% das necessidades energéticas nos dias de jejum. Esse regime é a base para a dieta 5:2, com uma restrição severa por 2 dias não consecutivos por semana e comendo ad libitum nos outros 5 dias.
Alimentação com restrição de tempo Esse protocolo permite que os indivíduos tenham uma ingestão calórica ad libitum em períodos específicos com janelas de jejum dentro uma de rotina. Estudos de <3 refeições por dia. Consideram-se períodos de jejum prolongados, diário ou noturno.
Jejum religioso Uma grande variedade de tipos de jejum é realizada com fins religiosos ou espirituais.
Jejum Ramadan O período do jejum é do amanhecer ao pôr do sol durante os meses sagrados do Ramadan. A dieta mais comum é consumir uma grande refeição após o pôr do sol e uma refeição mais leve antes do amanhecer. Portanto, os períodos de jejum do Ramadan têm aproximadamente 12 horas de duração.
Outros tipos de jejum religiosos Os seguidores dos Santos dos Últimos Dias costumam se abster de comer e beber por longos períodos de tempo. Alguns adventistas do sétimo dia consomem suas últimas duas refeições diárias à tarde, resultando em um intervalo prolongado de jejum noturno que pode ser biologicamente importante.

PATTERSON et al. Intermittent Fasting and Human Metabolic Health.Journal Of The Academy Of Nutrition And Dietetics, 2015.

Benefícios à saúde do jejum intermitente

Os mecanismos do jejum intermitente ligados aos benefícios à saúde podem ter uma relação com o nosso controle central e o ciclo circadiano, que regula a temperatura corporal, a taxa metabólica basal, bem como o centro de controle da fome e saciedade. Nosso relógio biológico mestre está localizado no núcleo supraquiasmático do hipotálamo e tem como estímulo a luz e a ausência dela (escuro), fazendo regular o nosso sono, secreção hormonal, coordenação motora e processo digestório. Esse relógio pode ser influenciado pelo fígado e tem a alimentação como maior regulador.

Outra hipótese

Existe a hipótese de que a desincronização entre os núcleos supraquiasmáticos, relógio mestre e circadiano periférico altera o balanço energético, levando a um aumento do risco de doenças crônicas. Alguns regimes de jejum intermitente e alimentação com restrição de tempo podem impor um ritmo diurno na ingestão de alimentos e gerar oscilações na expressão gênica e reprogramar os mecanismos moleculares que regulam o metabolismo energético e o peso corporal.

Em situações de resistência a insulina, hiperglicemia e dislipidemia relacionadas com a obesidade, a estratégia do jejum intermitente pode ser uma alternativa dietética para o paciente resistente ao tratamento hipocalórico tradicional.

Desta forma, o nutricionista deve calcular e prescrever a estratégia dietética em conjunto com o paciente para que seja viável e alcance os resultados desejados.

Referências bibliográficas

STEWART & FLEMING. Features of a successful therapeutic fast of 382 days’ duration. Postgraduate Medical Journal (March 1973) 49, 203-209.

Trepanowski JF, Bloomer RJ. The impact of religious fasting on human health. Nutr J. 2010; 9:57.

Cruzen C, Colman RJ. Effects of caloric restriction on cardiovascular aging in non-human primates and humans. Clin Geriatr Med 2009; 25:733–743.

Anton S, Leeuwenburgh C. Fasting or caloric restriction for healthy aging. Exp Gerontol 2013; 48:1003–1005.

Burke LM, King C. Ramadan fasting and the goals of sports nutrition around exercise. J Sports Sci. 2012;30(Suppl 1): S21–31.13.

Chaouachi A, Leiper JB, Chtourou H, Aziz AR, Chamari K. The effects of Ramadan intermittent fasting on athletic performance: recommendations for the maintenance of physical fitness. J Sports Sci. 2012;30(Suppl 1):S53–73.

Neel JV. Diabetes mellitus: a “thrifty” genotype rendered detrimental by “progress”? Am J Hum Genet. 1962; 14:353–62

CHALLET E. Circadian clocks, food intake, and metabolism. Prog Mol Biol Transl Sci. 2013; 119:105-135.

Turnbaugh PJ, Ley RE, Mahowald MA, Magrini V, Mardis ER, Gordon JI. An obesity-associated gut microbiome with increased capacity for energy harvest. Nature. 2006;444: 1027-1031.

Moro et al.. Effects of eight weeks of time‑restricted feeding (16/8) on basal metabolism, maximal strength, body composition, inflammation, and cardiovascular risk factors in resistance‑trained males. J Transl Med (2016) 14:290

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